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Uma alegoria sobre a cultura institucionalizada do golpe telefônico

Foto do escritor: Robson Felix de AlmeidaRobson Felix de Almeida

Por Robson Felix de Almeida


Era uma vez um telefone...


Não o moderno e onipresente smartphone, mas aquele antigo companheiro de mesa, fixo ou sem fio, que outrora tocava com expectativas boas: uma conversa entre amigos, um flerte no meio de dia estressante, notícias de familiares ou, quem sabe, o vislumbre de uma nova oportunidade de trabalho.


Porém, os tempos mudaram, e com eles o sentido do toque telefônico.


Se antes um telefone tocando era sinal de algo relevante, hoje tornou-se sinônimo de inquietação, uma advertência silenciosa: não atenda, se quiser preservar sua paz de espírito.


Vivemos tempos em que as chamadas inesperadas foram sequestradas por um sistema que institucionalizou o golpe, transformando a intimidade da comunicação pessoal em terreno fértil para fraudes cibernéticas.


Quem nunca recebeu uma ligação que começava com um: “parabéns, você ganhou...”? Ou, ainda mais inquietante, um suposto funcionário de banco pedindo dados pessoais “por segurança”?


Em nossa era digital, a única certeza ao ver um número desconhecido piscando na tela é a dúvida: seria essa ligação mais uma isca no longo anzol do crime virtual?


Este fenômeno é sintomático de algo maior: uma crise de confiança em nossa sociedade, como um todo.


No passado, as ligações eram pessoais e orgânicas...


Agora, a lógica corporativa e o oportunismo criminoso transformaram essa ferramenta em um mecanismo de engano em massa.


Empresas insistem em ligar com ofertas que nunca pedimos, criminosos se adaptaram, disfarçando-se de parentes desesperados, técnicos de operadoras, gerentes de bancos e até delegados.


Assim, atendemos ao telefone, cada vez menos.


Ou melhor, não atendemos mais.


Nesse novo normal, o toque do telefone já não carrega o charme de antes.


Hoje, ele soa como o gongo de um aviso apocalíptico: “Fique esperto, pois o golpe pode vir disfarçado de gentileza”.


Nossa rotina se adequou ao digital: mensagens de texto, WhatsApp, e-mails...


Nesses canais, pelo menos, temos tempo para avaliar, refletir e, se necessário, investigar quem está do outro lado.


A voz ao vivo, que antes aproximava, agora nos afasta.


E o mais irônico é que esse afastamento parece ter se consolidado como uma prática social aceitável.


Não atender é quase uma etiqueta moderna de autopreservação.


As desculpas abundam: “não vi a chamada”, “estava ocupado”, ou o clássico “manda uma mensagem, é mais fácil”.


A verdade subjacente, contudo, é mais profunda: a cultura do golpe telefônico se tornou tão comum que nossa confiança foi destroçada, a ponto de nos protegermos através de um silêncio ruidoso.


E assim, tal como um protagonista de um conto moral, abdicamos das ligações convencionais em nome de nossa própria segurança.


A história, no entanto, não termina aqui...


Talvez, um dia, reinventemos a confiança e resgatemos o prazer das conversas espontâneas e alegres.


Até lá, o telefone que toca sem aviso prévio, segue sendo um enigma que preferimos não resolver.


Porque, nesta era de desconfiança institucionalizada, não atender é mais que uma decisão – é um manifesto pela preservação de nossa paz de espírito.

 
 
 

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